sábado, abril 15, 2006

Falsidade cotidiana

Quando ele chegou eu já sabia o que vinha. Fazia dias que as coisas estavam tomando forma. Horários estranhos, ligações escondidas, aquela cara de cachorro sem dono, aquele velho olhar perdido sempre evitando meus olhos. Existem dois tipos de homem. Os que sabem mentir e os que mentem mal. Mentir, todos mentem, isso é fato. Mas tem aqueles que mentem muito bem, que disfarçam, que simulam, que não sentem remorsos ou pena. Ele não é desses. Sempre preferi os com culpa na consciência. Com eles sabemos onde estamos pisando. Quando nos traem, porque todos traem, sabemos que estamos sendo traídas. Eu prefiro saber quando estou sendo enganada. Não sei por que sou assim. Talvez fosse mais fácil não saber. Talvez muitas vezes eu não tenha sabido e nem tenha me preocupado com isso. O fato é que ele não era assim. Ele é daqueles que não sabe mentir, que se sente culpado, que evita olhares e gera longos silêncios. Quando ele chegou, eu já senti. O jeito de abrir a porta já avisava. A chave girou lenta, a mão era tremula, como de alguém que teme o que há de vir. Ele chegou quieto, desviou os olhos. Eu fiz que não havia percebido, não queria facilitar. Não sei dizer quantas voltas ele deu dentro do apartamento. Da sala para o quarto, do quarto para a sala, da sala para a cozinha, da cozinha para o banheiro, do banheiro para o quarto e de novo para a sala. Estava tentando chamar minha atenção. Suplicava para que eu perguntasse o que estava acontecendo. Mas eu, nada. Não desviei nem por um momento meus olhos das páginas do livro que tinha em minhas mãos. Nem quando ele sentou na poltrona em minha frente perdi a concentração na minha leitura. Quando ele me chamou, fingi distração. Quando disse que precisávamos conversar, perguntei se não podia ser depois. Apenas depois dele insistir, tirei os olhos das páginas e fechei o livro. Ele tinha uma postura grave, eu continuei jogada no sofá como quem iria discutir o cardápio da próxima refeição. Ele evitava meus olhos, então passei a encará-lo. Queria vê-lo sofrer, suar, antes de me dispensar. Eu sabia bem o que viria, mas não deixei transparecer nada. Me disse surpresa, magoada, traída. Ele pedia que eu entendesse, que fosse compreensiva, que fosse razoável. Eu não entendia nada. Chamou pela coerência, nós não andávamos bem. Eu não percebia, não compreendia nada. Chorei todas as lágrimas que minha condição pedia. Queria ter certeza de a culpa ficaria guardada em sua consciência e em seu coração.

5 Comments:

Anonymous Anônimo said...

ru já disse q tu escreve tri bem?


pois é.

15/4/06 21:23  
Anonymous Anônimo said...

Adorei o texto! ;) Beijinho

16/4/06 09:46  
Anonymous Anônimo said...

um viva aos textos coloridos :D

17/4/06 16:54  
Anonymous Anônimo said...

que susto, hein?

17/4/06 20:19  
Anonymous Anônimo said...

Se não bastasse as dificuldades do dia-a-dia. O emprego, a famíia. Daí vem o destino e nos rouba o chao. A dsepedida do ente querido,émais sofrido do que a ilusão de pensar ter o que não tem. Porém com muito sorimento melhor que seja logo.

11/3/09 18:33  

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