sexta-feira, novembro 17, 2006

Esses dias estava lendo uma entrevista com uma escritora que trata em seu novo livro sobre a relação com a mãe, talvez não a mãe dela, mas as mãe de uma forma geral. ‘Se as mãe fosse anjos, a terra seria um paraíso’, não lembro o nome da autora, pois isso já faz umas duas semanas; porém, essa frase e outras ao longo de sua entrevista me fizeram cair uma fichinha. Uma coisinha que estava me cutucando desde que o HCG deu positivo, mas que eu não havia me dado conta ainda. Junto com as aflições que estavam claras (montar apartamento, uma gravidez saudável, enxoval para o bebê... e tantas outras) havia uma que não era clara e que lendo um pequeno texto na ZH dominical saltou para fora. O medo da crítica. Não de qualquer crítica, pois dessas estou acostumada e tiro de letra. Mas o medo da pior e mais terrível crítica, a crítica de um filho. Talvez nem todos entendam o que quero dizer, até porque nem todos tem uma capacidade crítica tão aguçada em relação aos pais quanto eu. Alias, boa parte das pessoas que conheço não conseguem tecer sequer uma crítica quanto as figuras de pai e/ou mãe. São figuras quase santas, ou mais que santas. Aos quais não se permitem criticar ou ver claramente os defeitos. Entretanto, cada um convive com a sua própria realidade. E o fato de saber-me o maior crítico, possivelmente, pelo qual meu pais tiveram que passar, me arrepia a boca do estômago em pensar que chegou a minha vez.

Filhos não criticam por maldade (falo por mim), criticam para se proteger, criticam porque é impossível não criticar. A expectativa em cima dos pais é sempre descomunal, portanto, invariavelmente, eles irão falhar. Meu pai era o super homem e eu e ele sempre brincamos com isso; entretanto, talvez ele nunca tenha sabido, para mim não era brincadeira. Para mim ele era o super homem, um homem que não tinha qualquer falha. Quando fui crescendo e fui enxergando erros, fraquezas... tinha uma dificuldade imensa de conviver com isso, pois não podia admitir que o super homem não fosse perfeito e que me causasse tantas mágoas como causou. Fui conseguir ver meu pai como um homem normal, com todos os erros e falhas e, principalmente, com medos, angústias e com direito de ter medos e angústias só pouco tempo antes dele morrer. Antes disso, qualquer falha dele, em relação a mim, me parecia proposital, calculada meticulosamente para me machucar, pois super homem não erra. Ai, vocês imaginam o tamanho da crítica usada para me defender.

Com a minha mãe a história não é muito diferente. Sempre achei que mãe tem o dom de nos conhecer por inteiros, saber todas as nossas aflições e necessidade. Conviver com uma mãe humana também não foi muito fácil. Alguém que não atende nossas expectativas muitas vezes porque não as conhece, e não de sacanagem, é algo com o qual demorei muito para começar a entender. Até hoje, com vinte e cinco anos, me pego agredindo, criticando, por ela não atender as minhas necessidades e não corresponder algumas expectativas ainda existentes. Acho que agora até sou menos cruel, levando-se em conta a adolescente terrível que fui com ela. Ao menos tento vê-la como uma igual e não mais como uma figura mítica e assim aceitar as falhas como ela aceita as minhas.

Quando eu tinha uns sete anos, meu pai escreveu no meu livro de recordações : - “Você culpa seus pais por tudo e isso é um absurdo (?), são crianças como você. O que você vai ser quando você crescer...” filha, esse é um pedido de desculpas antecipado – Na época eu não entendi, alguns anos depois achei que tinha entendido; porém, percebo que só agora consigo realmente entender o que o Legião quis dizer com isso e o porquê de um pedido de desculpas antecipado. Ter um filho é ter certeza que se irá falhar muitas vezes, por mais que se faça o melhor, por mais que nos empenhamos com o nosso melhor. Enfim, graças a deus, todos nós sobrevivemos aos nossos pais, nossos pais sobreviveram aos seus e os nossos filhos sobreviverão a nós.