sábado, setembro 24, 2005

Comunicação

Pele com pele. Boca com boca. Mente com mente. Alma com alma. Olhos nos olhos. Não tente que a mente entenda a alma, nem que a pele fale aos olhos. Cada qual tem sua linguagem única. Uma linguagem complexa para quem não entende. Uma linguagem mágica para quem sabe ouvir. Não tente traduzir de uma linguagem para outra, não existem referências, a mensagem não decodifica, parece que complica. Deixe que o coração ouça o outro coração, deixe sua alma falar à outra alma. Deixe a sua pele tocar a outra pele, deixe sua boca roçar na outra boca. Assim a comunicação é perfeita, não existem enganos, nem mal entendidos, não existem dúvidas. Tudo se comunica, tudo se entende e nada se complica.

sábado, setembro 17, 2005

amante ideal

O vento batia em meu rosto. Um vento frio, quase cortante. No céu havia nuvens, nuvens claras que cobriam a lua e descobriam ao gosto do vento. Bela cena aquela, belo céu. Eu sempre gostei da lua. O céu, na noite, parece dar uma sensação de solidão e conforto. Uma solidão enorme e uma leve tristeza. Uma tristeza gostosa, sutil e profunda ao mesmo tempo. Sinto-me tão pequenininho olhando o céu, me sinto tão sozinho olhando a lua só. Eu e a lua. Cada um a seu modo. Dois solitários. Muitos corpos por perto, diversas estrelas, mas nenhum conjunto. Novamente eu aqui fugindo das pessoas. Às vezes não sei se a solidão induzida não é a mais triste, às vezes acho que é, às vezes acho que não. Certamente é a mais charmosa de todas. Eu gosto do charme de ser solitário, gosto de causar estranheza, gosto de às vezes terem medo de mim. Gosto de poder optar pela lua em detrimento das pessoas. Talvez eu tenha medo das pessoas, talvez só as prefira não muito perto. Gosto de mulheres belas que falam pouco, mas ainda prefiro a companhia da lua. Ela é belíssima e não fala nada. Com ela não existem cobranças, não existem pedidos e não preciso mentir. Ela não me pergunta onde eu andava, nem reclama do futebol, nem chora quando vou tomar chope. Ela não pergunta que sapato usar, não reclama da toalha sobre a cama e não chora dizendo que está em tpm. Ela some quando está em tpm e só volta quando está bem, não me cobra presença, nem presentes e está sempre disposta a passar a noite comigo. O frio desta noite vale a pena para ficar junto dela.

sábado, setembro 03, 2005

Acontece

Coloquei a calcinha e levantei num salto. Acendi um cigarro. Vi que ele me olhava. Me irritei. Porque ele me olhava com aquela cara? Porque ele tinha que estar sempre me olhando? Consumi com o cigarro em longas tragadas. Porque ele olhava com aquela cara de bobo?Que merda.
-Vou tomar um banho.
-Posso ir junto?
-Não.
Agora a cara era de espanto. Porra, eu não posso tomar banho sozinha?
-O chuveiro não ta legal.........se tu faz questão pode tomar antes.
-Não, pode ir, Toelha.
-Toelha?
-Sim, Toelha. Não lembra? Eu te chamava de Toelha, tu me chamava de Toala. Tu não lembra?
-Lembro, mas isso faz anos.
-Por que tu não deita mais um pouco? Ta frio, vem cá que eu te esquento.
-Não, eu vou para o banho.
Que mania que ele tem de tentar mandar em mim. Que merda. Toelha, vê se eu posso com isso. Uma mulher com vinte e tantos anos na cara ser chamada de Toelha. Ele não cresce, será que um dia vai crescer? E ele quer que eu o chame de Toala. Ele quer voltar no tempo.
-Me dá um cigarro?
-Por que? Tu não parou de fumar?
-É, parei. Mas deu vontade.
-Depois vem tu me encher o saco para mim parar, né?
Ele levantou. Ele está vindo na minha direção. Tocou nos meus ombros.
-Por que tu ta tão tensa? Quer uma massagem?
Puta que pariu. Rompi num choro convulsivo. Ele me abraçou. Ele se desesperou. Ele sempre se desespera. Sentei na cama.
-O que houve? O que que ta acontecendo?
-Não sei.
-Não foi bom?
-Foi.
Claro que foi bom, sempre foi. Nossos corpos sempre se comunicaram bem. O que eu não sei é em que momento foi que nossas almas pararam de se comunicar.
-Eu te amo.
-Eu vou tomar um banho.

quinta-feira, setembro 01, 2005

Genro ou assemelhado

Ontem, depois de um dia inteiro de trabalho, cheguei em casa louco para tirar os sapatos, me atirar na frente da TV e esperar o jantar. Mal botei os pés em casa, Sandra, a minha mulher, veio acabar com as minhas esperanças de um fim de dia reconfortante.
-Oi, Amor, vai tomar um banho. Tu não esqueceu que o namoradinha da Claudinha vem jantar conosco, esqueceu?
-Ah, claro que não!
Subi as escadas pedindo para morrer, claro que não lembrava que o namorado da minha filha iria jantar na minha casa, mas se dissesse isso à Sandra teria que ouvir mais um discurso sobre o meu descaso com os assuntos familiares. Ela sempre me acusa de não dar bola para a nossa família, o que é uma mentira. Me preocupo com ela e com as crianças, mas passo o dia todo na firma com um monte de problemas, quando chego em casa espero paz e não mais abacaxis para serem descascados. Em todo o caso, fui tomar banho para esperar o namorado da Ana Cláudia.
Quando desci, já encontrei o projeto de delinqüente sentado no meu lugar no sofá. Calma, já haviam me recomendado ser educado com o rapaz. Dei boa noite e recebi um “oi, tio” intolerável, mas respirei fundo, a paz familiar merece esforços. Dei uma olhada de cima a baixo no piá; camiseta preta, calça jeans três números maior e um brinco na sobrancelha. Resolvi sentar-me para me recuperar.
Sandra, minha filha e o namoradinho estavam falando sobre o cursinho pré-vestibular, resolvi ser sociável e participar do diálogo. Perguntei para o guri o que ele ia fazer da vida, enquanto ele respondia que estava em dúvida entre bibliotecomonia e ciências aeronáuticas, percebi que ele tinha mais um penduricalho na língua. Perguntei se aquilo não atrapalhava, mas quem respondeu foi a Ana Cláudia, disse que não e mandou eu deixar de ser careta. Depois dessa tentativa, fracassada, de diálogo resolvi calar a boca, pois a Sandra já estava me olhando de lado.
A empregada chegou para avisar que a mesa estava posta, fomos para a sala de jantar. Enquanto os outros comiam, não consegui parar de pensar no brinco na língua do guri, na quantidade de germes que deveriam estar acumuladas naquele buraco na carne e no mal que isso poderia causar à minha filhinha que, pelo jeito, não havia pensado a respeito.
Logo depois do jantar, o cachorro magro foi embora, dizendo que tinha aula cedo. Dei “Graças a Deus”, pois não agüentaria mais muito tempo vendo aquela aberração da natureza do lado da minha menina, chamando-a de Cau. Fui deitar cedo, pois não estava em condições de ouvir a Sandra reclamando da minha mudez durante o jantar e discorrendo sobre o quanto eu sou anti-social. Depois de ontem, passei a considerar a idéia de sugerir a Ana Cláudia dedicar-se à vida religiosa. Se for para ter um genro, Jesus Cristo é o melhor candidato.